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Mercúrio, um desastre ambiental, social e de saúde na Amazônia

Por 1 de fevereiro de 2023Sem comentários

“Se as práticas destrutivas forem interrompidas, as florestas voltarão a crescer mantendo o solo unido, a queima de biomassa será interrompida e os rios carregarão sedimentos não contaminados do rio acima para cobrir os sedimentos contaminados”, afirmam Adalberto Luis Val, pesquisador do Inpa, e Corey S. Green, doutorando da University of North Texas

 

O mercúrio (Hg) é um metal pesado que ocorre naturalmente, normalmente encontrado no ambiente em níveis traços (bem baixos). No entanto, devido às contribuições humanas nos últimos 170 anos, as concentrações ambientais de mercúrio têm aumentado exponencialmente. O Hg é um conhecido neurotóxico e disruptor hormonal, tanto para humanos quanto para a vida selvagem. Em adultos humanos, a exposição ao mercúrio está associada à doença de “Mad Hatter” (Doença do Chapeleiro Maluco) ou Minamata, que se caracteriza por ataxia, fraqueza muscular, perda de visão, tremores severos, psicose e morte. Correm riscos mais altos as mulheres grávidas que transferem Hg maternalmente para seu feto, resultando em graves problemas de desenvolvimento, mesmo em concentrações relativamente baixas de Hg. A exposição ao Hg na vida selvagem é semelhante com efeitos conhecidos sobre a reprodução, cognição e desenvolvimento em várias espécies, especialmente peixes. Estes efeitos têm grandes implicações ecológicas, com potencial para reduzir grandemente a biodiversidade e a estabilidade dos ecossistemas.

Na natureza, o Hg pode ser encontrado em três formas: elementar (Hg(0)), inorgânico (IHg), e orgânico Hg. Hg(0) e IHg representam alguns riscos à saúde; entretanto, o Hg orgânico na forma de metilmercúrio (MeHg) representa o maior risco à saúde. O MeHg é formado principalmente quando o IHg é depositado dentro de um ecossistema aquático onde bactérias anaeróbicas o transformam prontamente em MeHg. O MeHg é então liberado na coluna de água onde é absorvido por organismos aquáticos. A capacidade desses organismos de excretar o MeHg é muito menor que as taxas de absorção, resultando em bioacumulação. Como os organismos inferiores na cadeia alimentar são consumidos por aqueles superiores a eles mesmos, o MeHg é transferido para cima onde as concentrações crescem cada vez maiores com cada nível trófico por meio da biomagnificação. Isto pode resultar em cadeias alimentares onde os predadores superiores têm concentrações várias ordens de magnitude maiores do que aqueles na base da cadeia alimentar.

Com maior risco de contaminação por MeHg estão os organismos aquáticos, especialmente aqueles do topo da cadeia alimentar. Estas espécies de peixes também estão entre as espécies que são apreciadas como alimentos para consumo humano. O consumo de alimentos contaminados com MeHg é a principal fonte de contaminação. Isto é particularmente relevante para populações que dependem muito do peixe como sua principal ingestão de proteínas, como as comunidades indígenas.

O Hg na bacia amazônica tem sido amplamente estudado desde que o ouro foi descoberto no final dos anos 80. Pesquisadores têm demonstrado que a mineração contribui diretamente com Hg para os sistemas fluviais através do uso no processo de mineração. Entretanto, esta não tem sido a única fonte de Hg na bacia do Amazonas. O Hg é volatilizado diretamente na atmosfera pelas práticas de mineração, incêndios florestais ou produção de energia a partir da queima de carvão, onde pode permanecer suspenso por seis ou mais meses e percorrer milhares de quilômetros antes de ser depositado. Desde a revolução industrial, a bacia amazônica tem atuado como uma sumidouro para o Hg atmosférico de todo o mundo. Isto resultou em altas concentrações de Hg no solo em toda a bacia amazônica, incluindo porções remotas da região. Atividades destrutivas como o desmatamento, incêndios e mineração aumentam muito a mobilidade do solo liberando este Hg armazenado de volta aos sistemas aquáticos. Simultaneamente, a perda da floresta reduz muito a capacidade de captura de Hg, deixando a deposição atmosférica contribuir diretamente para a presença do Hg nos ecossistemas aquáticos.

As medidas imediatas que podem ser tomadas para reduzir os níveis de Hg na bacia amazônica seriam deter práticas destrutivas como o desmatamento, as queimadas e a mineração em florestas antes intocadas. A perda de biomassa aumenta a mobilidade do solo, liberando o Hg armazenado e perdendo o potencial de sequestrá-lo. Além disso, a partir de 2018, a queima desta biomassa representou por si só uma fonte maior de Hg atmosférico do que todas as fontes naturais combinadas. Finalmente, as atividades de mineração frequentemente combinam o uso direto de Hg durante o tratamento do minério com as práticas destrutivas de desmatamento, queima e mobilização do solo, tornando-o um contribuinte significativamente maior de Hg, especialmente em regiões antes intocadas.

Uma vez introduzido o Hg em um sistema, as únicas soluções são cobrir os sedimentos contaminados com sedimentos limpos ou removê-los através de dragagem e enterrá-los onde não possam ser liberados novamente para o meio ambiente. Ambas as soluções são incrivelmente caras e requerem extenso trabalho para serem realizadas, o que se torna exponencialmente maior quando se consideram as regiões remotas da bacia amazônica. A infeliz verdade é que a solução provável é o tempo. Se as práticas destrutivas forem interrompidas, as florestas voltarão a crescer mantendo o solo unido, a queima de biomassa será interrompida e os rios carregarão sedimentos não contaminados do rio acima para cobrir os sedimentos contaminados. A terra se curará sozinha, mas quanto tempo isso levará e quantas vidas serão impactadas antes que isso aconteça, depende de nós.

 

Adalberto Luis Val, Dr. – Pesquisador do INPA, líder de pesquisa do Laboratório de Ecofisiologia e Evolução Molecular – LEEM, Coordenador do INCT Adapta, Titular da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Mundial de Ciências.

Corey S. Green, MSc – PhD candidate, Graduate Research Assistant, Department of Biological Sciences & Advanced Environmental Research Institute, University of North Texas. Instructor, Department of Biological Sciences, Eastern New Mexico University.

*O artigo expressa exclusivamente a opinião dos autores

*Disponível no JC Notícias

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